quarta-feira, 24 de março de 2010

Conversa de mesa de bar


Ultimamente Salvador tem me irritado. Sei bem o quanto é injusto direcionar minhas auguras para a cidade, afinal, ela é como sempre foi, bela, porém inanimada. Mas foram múltiplas as situações que, repetidas e remoídas, não deu outra. Sobrou pra cidade.
Não sei bem se sempre foi assim, ou, meu olhar tem acordado pra isso nos últimos tempos. Mas todo dia vejo a TV, leio o jornal, e me pergunto; que mundo é esse?
Há menos de um mês, uma operação da PM no bairro de Pero Vaz deixou oito vítimas, entre menores de idade e inocentes. São traficantes, bandidos? Não importa, somos todos humanos. O que deveria ser uma operação destinada à nossa proteção foi justamente a desgraça daqueles que moram fora da “cidade luz”. Os corpos, mutilados como porcos, até hoje são encontrados. E daqui a um mês, quando o Correio*, o “Bocão” e derivados julgarem ter sugado cada ponto de audiência dos familiares e testemunhas, os exterminadores atacam novamente. Daqui a um tempo, teremos um caso parecido, e nós, jornalistas, vamos retomar em um box de jornal ou uma linha das nossas sonoras, o caso que há tempos atrás chocou a população. E só aí pensaremos em buscar; o que foi daquelas pessoas? Meu realismo, que nesses dias se torna muito pessimista, me diz que não vamos encontrar ninguém pra contar a história. Quem duvida?
Este foi só um, entre muitos. Muitos mesmo. No último sábado, foi a vez de uma garota de quatorze anos, no bairro de Peri Peri. O nome dela não importa, afinal, poderia ter sido qualquer uma. Ela brincava com amigos na rua, quando os cavaleiros do apocalipse chegaram. “Ei, você”, gritaram para um dos garotos do grupo. Eu não estava lá, mas não é difícil imaginar a cor da pele, as gírias e as roupas dele. Arriscando, sempre, cair na armadilha do estereótotipo. Ele pode ser chamado de Joãozinho, já que, como o das piadas, é só contexto, é só mais um. Joãozinho correu. Os outros o acompanharam, já que poderia ser parte da brincadeira. A polícia atirou diversas vezes e baleou a garota. Ela foi jogada no camburão e morreu a caminho do hospital. Nunca vi, li ou soube de ninguém que sobreviveu à primeiros socorros tão clementes.
Semana passada, uma idosa de setenta e sete anos foi presa vendendo crack. Deve passar o resto dos dias presa. Se for solta também, não deve durar. "O tráfico não perdoa", diz ela. Os motivos? Vivia em uma casa de apenas um cômodo, com mais vinte pessoas, entre filhos, netos e bisnetos. "Lavava, passava, dava banho nos menino (sic) e mandava pra escola. Todo dia". O crack ajudava com o sustento da família. Eram cerca de duzentos reais por mês. Pode soar absurdo, eu sei, mas eu faria o mesmo. Sem o tráfico, não tem bolsa-família que sustente.
São pessoas como ela que estão presas. São pessoas como eles que prendem. Esta tem sido a premissa soteropolitana. E enquanto a população sofre horrores cada vez mais cotidianos, o prefeito se preocupa em derrubar as barracas da praia e exterminar o sustento de centenas de famílias, afinal, a orla de Salvador tem de ser enfeitada, e os fins justificam os meios. O governador tem muitas outras preocupações. A formação da chapa para as eleições de outubro tem dado mais trabalho do que o esperado. O povo vai levando...fazer o que?
Apesar de tudo, tento acreditar. O futuro pode ser melhor, por que não? Na verdade, minhas angústias não têm a ver com a cidade. Digo mais. Até gosto dela. O que me dá nos nervos são as pessoas, e o que elas tem feito com a nossa vida por aqui. Mas, uma coisa tomo como certa. No dia em que o pôr-do-sol do porto da Barra perder o encanto, vou-me embora. Tudo o mais, já não me dá nenhum porquê.