terça-feira, 13 de abril de 2010

A mulher que casou com as Artes Plásticas


Sorridente, vaidosa, inquieta. Essa é a primeira impressão de quem troca algumas palavrinhas com ela. Carmo Ledna Pereira Barbeitos, artisticamente conhecida como Ledna Barbeitos, é uma artista plástica baiana, que traz na sua história traços de lutas, desafios e conquistas.

Desde pequena, já tinha inclinação para as artes. “Quando viajava para lugares como o Rio de Janeiro, enquanto minha família ia à praia, eu ficava em casa desenhando”. A família, natural de Saúde (cidade do interior da Bahia), era de classe média, e a expectativa era que, para manter a tradição, os filhos construíssem carreiras sólidas em áreas socialmente reconhecidas.

Os filhos mantiveram a tradição. Irmã de três advogados bem-sucedidos, Ledna optou pela área de Administração de Empresas. Mas seu amor pela arte falava alto. Decidiu, então, prestar vestibular para Arquitetura, que só cursou por um semestre. Depois disso, resolveu dedicar-se ao estudo das Artes Plásticas, sua verdadeira paixão.

Seu desejo conflitava com os da família. Sempre acharam que a arte deveria ser um complemento para a sua profissão de administradora. Assim, tinha uma rotina bastante intensa, pois fazia os dois cursos pela manhã e noite, e trabalhava à tarde. Por causa disso, não conseguia acompanhar a dinâmica da Faculdade de Belas Artes (UFBA); mesmo assim, antes de se formar, já ganhou prêmios em alguns salões, como Gaivota, Presciliano Silva, Genaro de Carvalho.

Depois de já ter trabalhado na Caixa Econômica e na Prefeitura de Salvador, decidiu abrir mão da Administração. E aumentou a resistência da família. “Minha mãe disse que a pior coisa que fez foi me colocar em um curso de pintura”.

“Eu larguei tudo de Administração para viver de arte e tudo o que eu tenho hoje foi a arte que me deu”. Seu trabalho caracteriza-se pela produção por encomendas, pesquisas para participar de salões e bienais e um trabalho científico, buscando novos materiais para usar nas artes plásticas.

Folhas de fumo, fumo em corda e rapé foram o material escolhido para desenvolver suas pesquisas em artes plásticas. “Inicialmente, trabalhava com os rolos, desamarrando os nós, era como se tivesse desamarrando os nós da minha vida. Eu trabalhava com metais e cobria com fumo, deixando-os em formas de pássaro. Significava o meu desejo de alçar vôo, ter liberdade”.

Mas a identificação com esses materiais a intrigavam, ela queria saber por que trabalhava com eles. Descobriu que foi sua memória olfativa. Quando pequena, morou em Cachoeira e lá as folhas eram penduradas em varais e os rolos de fumo vendidos em feira livre. “Tinha uma amiga que era filha de um dono de fábrica de tabaco e, quando ia à sua casa, sentia um cheiro particular, eu pensava que era de chocolate, mas era do fumo”.

Devido à necessidade de dedicação à carreira artística, muitas vezes a Ledna/artista se confundiu com a Ledna/mulher. Depois de um casamento que durou cinco anos e outro dezoito, viu-se condicionada a escolher entre os relacionamentos e a profissão. “É lógico que escolhi a profissão, eu me casei com as artes plásticas”.

“Eu sou uma mulher que não teve nenhum trauma dos relacionamentos. Fui amada e amei muito. Como diz Iberê Camargo, pequei porque vivi”. Os frutos dos relacionamentos foram três filhos. E, apesar de ser bastante ocupada com o seu oficio de artista, não deixou de acompanhar o desenvolvimento deles, pois foi professora de artes nas escolas em que estudavam. “Meus filhos são a minha maior criação, corda do coração, eles têm por mim um amor incondicional e vice-versa. Se pudesse, teria mais alguns”.

Aos poucos, Ledna vem conquistando espaços proporcionados pela escolha que fez. Seu trabalho de pesquisa com o fumo foram tema de seu mestrado, que fez na UFBA em 2009, e já realizou a exposição Matéria onipresente: folhas que não guardei no Museu da Cidade, Casa do Benin e Espaço Cultural da Barroquinha. Participou da exposição Mulheres em Movimento e foi selecionada para participar do Salão Regional de Porto Seguro. Além disso, inusitadamente, foi convidada por uma tabacaria para trabalhar com charutos.

Os conflitos com a família parecem ter sido resolvidos. “Os verdadeiros amigos são a família. Minha família é tudo para mim”. Já em relação à sua mãe, declara: “Minha mãe é minha alma gêmea. Devo todas as coisas da minha vida à minha mãe”.

“Consegui dar a volta por cima”, desabafou a artista. Hoje, ela é professora substituta da Escola de Belas Artes e pretende ampliar sua pesquisa para o doutorado, que deve fazer na Espanha. Se arrepender de alguma coisa? Só se for do que não fez.

“Não tenho nenhum sentimento de culpa de nada do que eu fiz. Eu teria que ser artista. Fiz a opção de ter a vida mais simples, mas sou muito feliz com isso. Acho que a gente deveria fazer as escolhas da vida quando tivesse mais maturidade. Eu plantei e estou começando a colher os frutos”.

Postada por Rebeca Caldas