quarta-feira, 16 de junho de 2010

QUEM VAI AO CIRCO?


Apesar do aparente estímulo da mídia e do recorrente aumento na procura por atividades circenses, os circos de lona estão perdendo espaço dentro da capital baiana. O encanto da “redescoberta” do circo se reflete de forma superficial, pois abarcam sobretudo uma camada da classe média, menosprezando outros setores menos favorecidos da nossa sociedade. Vale frisar que esse interesse se estende principalmente ao circo moderno, a exemplo do “Cirque du Soleil”, e não alcança os tradicionais “cirquinhos” de cultura itinerante que se localizam em sua maioria no interior do estado.

O que se pode perceber é que os circos de médio porte estão deixando de existir e que os cirquinhos, de cultura majoritariamente familiar, estão passando por dificuldades de ordem financeira e estrutural. “A gama de circos está diminuindo cada vez mais, ou se tem uma superprodução para que exista um interesse do público e se possa cobrar um ingresso mais caro ou se tem um circo pequeno, também chamado de cirquinho, e coloca-se o ingresso bem baratinho”, afirma Márcia Ogava coordenadora do circo Picolino.

Embora exista um público interessado nas atividades circenses há uma carência de espaços de circo na cidade. As aulas se espalharam por muitos locais como academias de ioga, escolas de teatro ou mesmo centros artísticos, o que não se iguala à magia de estar sob a lona. A produção de espetáculos na cidade é insipiente e o mesmo se pode dizer da divulgação. Segundo a psicóloga e artista circense Luanna Lima, “falta dar continuidade e uma maior divulgação aos projetos, porque fica muito restrito a um público que já participa do movimento circense”.

A falta de uma estrutura que suporte os treinos e ensaios muitas vezes desestimula a produção de espetáculos e provoca alguns acidentes. “Salvador é muito carente de espaços para o circo. Nós somos uma trupe e estamos ensaiando em árvores. Apresentamos em alguns eventos e normalmente não dá pra fazer aéreo por falta de estrutura”, afirma a professora de ioga e artista circense Anna Lice Mascarenhas que atualmente participa da Trupeniquim.

Apesar de o circo estar presente na Bahia a mais de 20 anos, a criação de um núcleo de artes circenses na Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb) é atual, assim como a criação de uma cooperativa de artistas circenses baianos. Estes dois órgãos agem conjuntamente na busca por um mapeamento e memória do circo na Bahia. “A reunião da classe e reconhecimento do circo como importante segmento artístico da sociedade, já é de grande importância nestes primeiros encontros”, afirma Wilma Macedo, secretária da cooperativa.

Estas duas instituições têm como objetivos fomentar a formação de platéias, incentivar o circo itinerante e estabelecer um apoio por parte do Estado para melhor receber o circo em sua cidade com relação a necessidades básicas como espaço, instalações elétricas e fornecimento de água. Também estão sendo desenvolvidos editais públicos com bolsas para a lona dos circos de pequeno porte, para a produção de espetáculos e incentivo à pesquisa da arte circense.


Circo Picolino

Criada em 1986, por um grupo de artistas performáticos, quando só havia três escolas circenses em todo o país, a Picolino é a primeira escola de circo do Norte-Nordeste. Batizada de Picolino, em homenagem ao palhaço brasileiro homônimo que passou a vida espalhando alegria pelo mundo, a escola mudou de sede algumas vezes, se estabelecendo definitivamente em Pituaçu.

Durante os primeiros anos, a escola teve como público cativo às famílias de classe média, mas a partir de 1991, passou a oferecer malabares, trapézio, monociclo e inclusão social também para meninos e meninas de rua, através de programas sociais em parceria com Ongs, órgãos do estado e do município. A iniciativa veio do Ministério Publico, mais precisamente do Juizado de Menores, que levaram ao Picolino um grupo de menores infratores para receberem aulas como meio de ajudá-los a se reintegrar na sociedade.

Houve no primeiro momento um preconceito por partes dos familiares dos alunos particulares, no entanto entre as crianças a convivência e interação foram gratificantes. “Percebeu-se uma melhora por parte das crianças infratoras que se deram conta que aquela era uma maneira de tirá-los da infração e por parte dos alunos particulares que passaram a perceber que o outro era uma criança assim como ele, apesar dos diferentes estilos de vida” afirma a coordenadora de projetos pedagógicos Márcia Ogava.

A partir de então a escola Picolino se voltou para um trabalho social de reintegração de menores na sociedade através do circo. Houve algumas parcerias, mas sem dúvida a mais frutífera foi com o projeto Axé para atender meninos e meninas de ruas. A parceria dura até os dias de hoje e desenvolveu conjuntamente um projeto de formação de instrutores no qual os antigos alunos acabaram tornando-se também facilitadores da escola.

À medida que aumentava o atendimento aos projetos sociais diminuía o numero de alunos particulares por preconceito dos pais. Hoje a escola conta com um percentual de alunos majoritariamente proveniente dos projetos. A intenção era de se trabalhar com uma média de 400 alunos, no entanto as parcerias ainda não foram restabelecidas e a escola neste momento conta com o apoio de apenas dois convênios, o que garante a manutenção de somente 150 alunos.

A arte-educação tem em vista que o contato do aluno com um meio artístico desenvolve sua capacidade intelectiva e aumenta o senso de convivência em comunidade. A Picolino vem trabalhando com projetos sociais a cerca de 17 anos e a adesão em seus alunos é evidente. “Você pode obrigar a criança a ir para a escola, mas não a estudar. Mas quando elas vêm ao circo elas gostam, é uma atividade que lhes dá prazer e as auxilia na sua vida estudantil e comunitária” complementa Márcia Ogava.



Importância da atividade circense


Se envolver com as artes circenses vai além de aprender uma técnica, uma postura e determinadas movimentações físicas. O aprendiz lida diariamente com as suas limitações e trabalha a resistência às frustrações. Assim pensa a artista circense e psicóloga Luanna Lima que atualmente desenvolve um programa com a psicologia e a acrobacia aérea. Tendo como base às técnicas de tecido e trapézio como veículo para trabalhar a autoconfiança, a frustração, o respeito e o reconhecimento aos seus limites. Todas essas questões psicológicas são trabalhadas a partir do contato com a técnica.

Trata-se de uma conquista diária, com base no treino e na tentativa de superação das dificuldades iniciais. Em um mês o aluno consegue resultados que julgava inatingíveis, isso o leva a se reconhecer como vencedor, melhorando sua auto-estima, aumentando a confiança em seu potencial. Ao desenvolver com a técnica certas qualidades na sua personalidade o aluno as leva para a sua vida cotidiana. Ao se deparar com um problema ele não se curva, vai tentar solucioná-lo de diversas maneiras diferentes, até conseguir resolvê-lo, assim como fez com a técnica. É nesta idéia que se baseia o trabalho e a pesquisa da psicóloga Luanna Lima.

Sua pesquisa ressalta ainda a importância da relação que se constrói entre o aluno e o professor. “O facilitador precisa acolher a pessoa que está ensinando, porque tem alguns alunos que morrem de medo” complementa. O professor precisa se manter calmo e perseverante, incentivando o aluno, mas também respeitando seus limites. “A minha forma de trabalho é visando à expressão, não é necessário alcançar a perfeição, importa o caminho e o aprendizado. Não existe um ponto final ou uma posição necessariamente certa, cada um tem uma maneira de se expressar e nós vamos dar um valor para aquilo”.

Cada atividade circense proporciona algum desenvolvimento, não só com a técnica, mas na personalidade e no modo de ser do aprendiz. A acrobacia é a técnica principal, obrigatória em qualquer circo, porque proporciona educação corporal. É onde se aprende a como reagir se cair. O malabarismo trabalha a coordenação motora, a inteligência e o reflexo. Já a técnica do equilíbrio no arame é onde se aprende a encontrar o eixo. No ambiente aéreo, o trapézio e o tecido exigem força e coragem. Além de muitas outras qualidades que cada pessoa pode desenvolver individualmente a partir do contato com a técnica e o circo.

Além de oferecerem benefícios a saúde, como um melhor condicionamento físico, coordenação motora e flexibilidade, as atividades circenses proporcionam outras formas de melhorias, em principal para as crianças, que necessitam uma atividade física no desenvolvimento de seu crescimento para uma infância saudável e ativa. "Hoje em dia eles estão muito voltados para atividades estáticas, pouco se mexem. Uma atividade física é essencial", ressalta a fisioteraputa Amanda Lemos, que assinala a importância de exercícios que melhorem os sistemas cardiovasculares, respiratórios e musculares.

As modalidades circenses abrangem malabares, trapézio, acrobacia, tecido e perna de pau, proporcionando ao praticante o contato com uma nova cultura, além da experiência do trabalho em grupo. A maioria dos exercícios necessita da ajuda de um companheiro, o que permite novas amizades.

História do circo:

Se desejarmos ir mais a fundo, perceberemos que o circo é do ser humano e que o homem desde a era das cavernas já fazia estripulias, equilibrava objetos e fazia acrobacias. Em 3 mil a.c. tem-se registro dos grandes acrobatas, malabaristas e equilibristas chineses, o que nos leva a conceber a China como suposto berço primordial das atividades circenses.

Mas o circo como espetáculo pago, com picadeiro onde se apresentam números de equilíbrio a cavalo e habilidades diversas, é muito recente. Foi criado pelo suboficial inglês e perito cavaleiro Philip Astley, que deu origem ao formato do circo ao perceber que era mais fácil se manter em pé sob o cavalo percorrendo um circulo perfeito, por causa da força centrífuga. Astley foi inovador quando começou a incorporar os saltimbancos, acrobatas, cavaleiros e palhaços em uma só apresentação tornando-se esta a base do circo moderno.

No Brasil tem-se notícia dos primeiros circos por volta do século XIX com famílias e companhias vindas da Europa, mas mesmo antes disso contasse com a existência de grupos circenses indo de cidade em cidade, em lombos de burro, fazendo de tudo um pouco em pequenos espetáculos em dias de festa. Além disso, pode-se falar na constante presença de ciganos, suas atividades consistiam na doma de ursos, ilusionismo e exibições com cavalos.

A transmissão do saber de forma oral entre gerações é uma característica que circo herdou dos artistas ambulantes e saltimbancos. A partir de 1930-40 começam a aparecer as primeiras escolas especializadas na formação de artistas e conseqüentemente o modelo clássico de circo sofre mudanças. A descentralização do conhecimento marca a ruptura, já que, até esse momento o conhecimento era mantido no interior da lona, em "posse" da família, transmitido de geração em geração.

O aparecimento da escola proporciona um maior intercâmbio de conhecimentos, uma diversificação das modalidades, dos estilos, e fundamentalmente concretiza um conhecimento mais sistemático, organizado e talvez científico. As escolas foram se transformando em centros de intercâmbio da cultura circense e a modernidade facilitou a disseminação do conhecimento mais rapidamente.

Sarah Corral